quinta-feira, 8 de maio de 2008

Dos ficantes aos namoridos

Mais um ótimo texto de Martha Medeiros.
Vale a pena ler.

Se você é deste século, já sabe que há duas tribos que definem o que é um relacionamento moderno.Uma é a tribo dos ficantes. O ficante é o cara que te namora por duas horas numa festa, se não tiver se inscrito no campeonato “Quem pega mais numa única noite”, quando então ele será seu ficante por bem menos tempo — dois minutos — e irá à procura de outra para bater o próprio recorde. É natural que garotos e garotas queiram conhecer pessoas, ter uma história, um romance, uma ficada, duas ficadas, três ficadas, quatro ficadas...
Esquece, não acho natural coisa nenhuma. Considero um desperdício de energia. Pegar sete caras. Pegar nove “mina”.
A gente está falando de quê, de catadores de lixo? Pegar, pega-se uma caneta, um táxi, uma gripe. Não pessoas. Pegue-e-leve, pegue-e-largue, pegue-e-use, pegue-e-chute, pegue-e-conte-para-os-amigos. Pegar, cá pra nós, é um verbo meio cafajeste. Em vez de pegar, poderíamos adotar algum outro verbo menos frio. Porque, quando duas bocas se unem, nada é assim tão frio, na maioria das vezes esse “não estou nem aí” é jogo de cena. Vão todos para a balada fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada.
Deixaram a personalidade em casa, isso sim. No entanto, quem pode contra o avanço (???) dos costumes e contra a vulgarização do vocabulário? Falando nisso, a segunda tribo a que me referia é a dos namoridos, a palavra mais medonha que já inventaram. Trata-se de um homem híbrido, transgênico.Em tese, ele vale mais do que um namorado e menos que um marido. Assim que a relação começa, juntam-se os trapos e parte-se para um casamento informal, sem papel passado, sem compromisso de estabilidade, sem planos de uma velhice compartilhada — namoridos não foram escolhidos para serem parceiros de artrite, reumatismo e pressão alta, era só o que faltava. Pois então. A idéia é boa e prática. Só que o índice de príncipes e princesas virando sapo é alta, não se evita o tédio conjugal (comum a qualquer tipo de acasalamento sob o mesmo teto) e pula-se uma etapa quentíssima, a melhor que há.Trata-se do namoro, alguns já ouviram falar. É quando cada um mora na sua casa e tem rotinas distintas e poucos horários para se encontrar, e esse pouco ganha a importância de uma celebração.Namoro é quando não se tem certeza absoluta de nada, a cada dia um segredo é revelado, brotam informações novas de onde menos se espera. De manhã, um silêncio inquietante. À tarde, um mal-entendido. À noite, um torpedo reconciliador e uma declaração de amor. Namoro é teste, é amostra, é ensaio, e por isso a dedicação é intensa, a sedução é ininterrupta, os minutos são contados, os meses são comemorados, a vontade de surpreender não cessa — e é a única relação que dá o devido espaço para a saudade, que é fermento e afrodisíaco. Depois de passar os dias se vendo só de vez em quando, viajar para um fim de semana juntos vira o céu na Terra: nunca uma sexta-feira nasce tão aguardada, nunca uma segunda-feira é enfrentada com tanta leveza.
Namoro é como o disco “Sgt. Peppers”, dos Beatles: parece antigo e, no entanto, não há nada mais novo e revolucionário. O poeta Carlos Drummond de Andrade também é de outro tempo e é para sempre. É ele quem encerra esta crônica, dando-nos uma ordem para a vida: “Cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparência. De ser o seu cadáver itinerante".

6 comentários:

Anônimo disse...

eu AMEI o texto.
lindo lind lindooo
;*

BioUniverso Digit@l disse...

Oie! Vim fazer uma visitinha ;)

Eu me fascino lendo os textos da Martha Medeiros, eles "fecham" direitinho comigo. Tanto que roubei teu texto!

Um ótimo final de semana! Bjinhos!

Céu disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Céu disse...

Kellen!
Martha Medeiros, é muuuuuuito bom!
Use e abuse do Céu. Roubos, sempre!
°°°°°°°°

Nane, senti sua falta, viu??!
Linda foto!

Bjo-duplo :**

pequena disse...

tamb�m sou f� da Martha Medeiros...
e ainda por cima...ela completa o bom dos meus domingos ..com suas cr�nicas semanais na revista dominical do globo. xD

Céu disse...

Oi Pequena!!!
Gosto desse nome, minha mãe me chama assim! :)
Martha é de uma sensibilidade ímpar!
Bjos